Cadáver na soleira da porta
Márcia Morais
Meu Deus, que situação!
Minhas pernas tremiam, não sabia se era pela ansiedade ou medo pela presença do delegado, a minha frente, me olhando com aquele olhar frio. Estava sendo interrogada porque, do nada, apareceu um cadáver na porta da minha casa, hoje pela manhã. E eu estava ali, naquele momento, prestando depoimento. Justo eu, que morro de medo de polícia e vivo quietinha no meu mundinho, evitando qualquer envolvimento com a justiça!
- Sente-se, por favor, e diga seu nome completo.
- Maria.
- Maria... do quê?
- Maria Socorro dos Anjos Silva.
-Seu endereço, senhora.
-Moro na Rua Francisnelson Freitas, número 24, Cohab 3.
- Há quanto tempo mora neste endereço?
-Ah! Faz muito tempo, doutor, desde que casei, há 35 anos atrás.
- A senhora trabalha? Tem emprego fixo?
- Trabalho, sim senhor.
- Onde?
- Na casa da dona Rosalva, lá no centro da cidade. A rua é rua Brasil, número 301, bairro das Paineiras.
- Me conte exatamente o que aconteceu esta manhã.
-Doutor, quando acordei às 5 da manhã pra pegar no batente, abri os olhos, olhei o relógio para ver que hora era, me levantei, fui ao banheiro, escovei os dentes, dei uma oiada no meu veinho, fui fazê o café, arrumá umas coisinhas...
- Dona Maria, vá direto ao assunto!
- Me desculpe, doutor. Depois de tudo isso, abri a porta da sala para colocar o lixo no lixo, foi aí que quase morri de susto, doutor. Tinha um homem caído, morto, na soleira da minha porta.
- O que a senhora fez?
- Corri pro celular e tentei ligar para a polícia, mas não tinha crédito. Então, peguei o celular do meu véio, liguei pra polícia e falei que tinha um homem morto na minha porta.
-Como pode afirmar que o homem estava morto?
- Doutor, quando eu coloquei a mão no defunto ele já tava gelado.
- A senhora tocou no defunto?
- Claro, ué! Queria saber se tava vivo!
- A senhora conhece o elemento?
-Elemento?
- Sim, o cadáver, Dona Maria.
- Cruz credo, doutor, nem vivo, nem morto, graças a Deus!
- E isso é tudo o que a senhora sabe?
- Sim, doutor. Depois a polícia chegô e levou o corpo. O resto o senhor já sabe.
- Bom, dona Maria, por enquanto é só, mas a senhora será intimada a comparecer novamente à delegacia.
-Ah, é ! Não acabou?
- Não. Por isso, a senhora não deve deixar a cidade e, se isso acontecer, nos avise, por favor.
- Brigada, doutor, e até mais!